Não gosto de injustiças, abusos, hipocrisia e aproveitamento difamante de factos supostos ou desconhecidos.
Neste momento, tenho por Sócrates um sentimento misto – não sei
se é justo ou não, mas desaprovo o que lhe está a acontecer.
Cada vez que regresso a este cantinho Luso, tenho pela
frente um história rocambolesca.
Nunca gostei de governação de José Sócrates. Considero que
todas as suas políticas eram propositadamente arrogantes e ofensivas: desde os
pérfidos ataques aos direitos adquiridos até ao casamento da paneleirada, tenho
muito a criticar-lhe.
Sócrates destruiu, definitiva e irreparavelmente, a minha crença
num futuro em que o país seria mais justo, mais fraterno, mais desenvolvido,
onde as pessoas teriam mais qualidade de vida e onde o amanhã seria melhor do
que o ontem.
Definitivamente, tudo isso acabou. A minha geração será
sacrificada, os filhos desta geração viverão pior do que nós, e os netos
viverão muito pior ainda do que os filhos desta geração. Ou seja, entramos na espiral
regressiva da civilização, embora a sociedade consumista possa triunfar e o
turbo-capitalismo selvagem, onde o Homem é uma peça numerada e sem valor, tenha
oportunidade de, matematicamente, controlar as contas do país.
Por tudo isto, não tenho grande afeição por José Sócrates –
o político.
Mas, os últimos acontecimentos deixam-me com uma visão
diferente sobre o cidadão José Sócrates Pinto de Sousa.
Sinto-me indignado com a forma como o arrastaram pela lama,
como foi linchado na sua imagem e na sua dignidade o cidadão José Sócrates.
Na eventualidade dele ter cometido crimes*, terão sido de
ordem económica/financeira. Não o acusam de crimes contra as pessoas. Mas, os “media”
transformaram a sua história numa espécie de novela, onde se lida com o
criminoso mais biltre, mais procurado e mais perigoso do país.
É curioso que os “media” atacaram Sócrates com base num
crime que tem ficado sempre impune – a violação do segredo de justiça. Nem por
isso se insurgem contra esse crime, colocando na mesa os “bufos” das altas esferas do
sistema judicial português.
É uma imbecilidade, uma verdadeira aberração e a negação da
dignidade que deveria pautar a atitude dos “media”, ver, por exemplo, um
plantão de jornalistas à porta do estabelecimento prisional, a fazer
comentários como: “Sócrates almoçou massa!”
Para este tipo de jornalismo, acho que seria mais apropriado
um relato do tipo: “Sócrates usou papel higiénico soft de 4 folhas”.
Estou plenamente convencido que Sócrates está pagar o preço
de ter mexido com a “classe” dos magistrados. Devia ter sabido que quem mexe
com essa “classe”, mais tarde ou mais cedo, tem problemas.
Se Sócrates é suspeito de cometer algum crime, o lugar e o
papel dos “media” sérios e honestos será a sua divulgação, mas apenas quando
existir uma acusação formal e sustentada de tais crimes, fazendo sempre valer e
prevalecer a presunção de inocência.
Não admito que um imbecil jornalista, abusando
do poder dos “media”, acuse, julgue e condene, seja Sócrates ou qualquer outra
pessoa, antes do tribunal se pronunciar sobre a ilicitude que quaisquer actos.
Pior ainda: é indigno e intolerável que estes ignominiosos comportamentos
tenham como suporte um crime – a violação do segredo de justiça -, que continua
descarada, impune e, quiçá, proveitosa para alguns.
Por tudo isto, mesmo não gostando nada de Sócrates, estou
com ele e ficaria muito satisfeito se se provasse que tudo isto não passa de um
cobarde linchamento público.
* - Crime é aquilo que a lei tipifica como tal, à data em
que ocorreram os factos, e não aquilo que cada um gostaria que fosse.